Talvez o que eu mais goste na fotografia é que ela fica mais valiosa com o tempo.
Um álbum de foto que vendo hoje; daqui 10 anos, se oferecer o dobro do valor por ele, muito provavelmente quase ninguém venderia por preço nenhum.
Quanto valem as nossas memórias?
A arte é uma forma da gente significar a nossa existência, sublimar o que a gente sente, ela deixa um legado pra quem virá, de resistência, pra que a nossa subjetividade possa existir de novo. A arte resiste a morte.
Aqui como boa criança dos anos 2000, que assistiu Up Altas Aventuras; sim, o filme da casa dos balões. Sempre lembro a cena do senhorzinho vendo o álbum de fotos, relembrando a esposa falecida: “Daqui 50 anos, eu ainda vou lembrar o seu nome e vou me lembrar de todas as vezes que você me fez sorrir.”
É, pode ser que tenha começado aqui minha história com a fotografia.
Ainda nesse assunto falando de filme; e não que Titanic seja um dos meus preferidos, mas eu sempre acho curioso como a maioria das pessoas chora com a morte do Jack, sendo que, diga-se de passagem, tinha espaço pra ele naquela porta kkkk. Polemicas a parte, eu considerei extremamente mais triste a cena que a Rose já velhinha diz: “Nunca achamos nada sobre Jack, não há registro sobre ele, claro, não seria possível, eu não tinha falado dele até agora com ninguém, nem mesmo com o seu avô, o coração de uma mulher é um oceano de segredos, mas agora sabem, que existiu Jack Dawson, e que ele me salvou, de todas as formas que uma pessoa pode ser salva, e eu não tenho nenhum retrato dele, agora ele só existe em minha memória”.
Ok que essa frase já virou até meme e talvez eu só seja uma puta chorona kkkkk. Mas não deixa de ser triste como, as vezes a gente só percebe a importância de um momento quando ele se torna uma lembrança, um instante também é sobre ser eterno.
Esse 'poder' da fotografia, é tão valioso pra mim. Ter as fotos que eu tirava da minha irmã pequena pra comparar com as de hoje e marcar como fiz disso minha profissão. O quanto o registro das nossas vidas é impagável. Dinheiro nenhum compra o valor de uma foto que nos faz lembrar de quem amamos.
Tirar um tempo pra nós e registar nossos ciclos hoje em dia é investimento em autocuidado diante desse mundo tão acelerado em que vivemos. Se afetar, se permitir viver essa experiencia; evidenciando nas fotos elementos que nos representam, assim como a personalidade de cada um; é muito significativo pra lembranças futuras. Olhar fotos nos transporta. Nesse caso, pra memoria feliz de um dia que você decidiu se Afetar.
Fotografia também envolve que histórias estão sendo registradas, e de que jeito? E quais estão sendo apagadas? E quais a gente não se lembra mais?
Quem decide o que entra pra história?
Quando eu falava do Titanic gosto de pensar sobre qual dos dois sobreviveu pra contar a história e qual deles morreu sem registros. Será que se o Jack contasse; acabaria do mesmo jeito? Talvez o filme não tenha tanto a ver com amor assim.
O fato é que, um povo sem memória é um povo sem futuro. È na memória que se planta a semente do futuro, portanto, ela também é um ato político sobre pensar que futuro estamos construindo.
No post sobre a proposta de Afete-se, eu falei que afetar também podia significar passar a acreditar. Ser artista muitas vezes é acreditar no que não se pode ver.
"Quer ver?// Escuta." [Poema- Francisco Alvim]
Não se constrói nada só, muito menos um ensaio fotográfico sem perceber a pessoa fotografada!
O encontro com o outro, é ideia, é criação, é amparo, é tecitura subjetiva, e pode ser salvação.
Só existimos graças a uma solidariedade radical de um outro que desejou, ou permitiu, ou não destruiu a vida que éramos.
Gosto sempre de lembrar a resposta que a antropóloga Margaret Mead deu quando perguntada sobre qual ela considerava o primeiro vestígio de civilização humana, ao contrário de potes, ferramentas para caça, pedras de moagem ou artefatos religiosos, ela respondeu que a primeira evidência de uma civilização foi um fêmur, fraturado e curado, de 15 mil anos encontrado num sítio arqueológico.
O fêmur, é o maior osso do corpo humano, e leva, naquelas condições temporais, cerca de seis meses pra cicatrizar uma fratura. Qualquer criatura que quebrasse uma perna não sobreviveria por tempo suficiente pra regenerar o osso; teria sido comido primeiro.
Portanto, um fêmur cicatrizado significa que alguém tinha cuidado daquela pessoa, abrigou-a e alimentou, protegeu, ao invés de a abandonar à sua própria sorte.
O primeiro sinal de humanidade, é sempre, um ato radical de solidariedade.
Qualquer ideia que não estenda o conceito de humanidade a todos os corpos deve ser destruída.
“Se quiser ir rápido, vá sozinho, mas se quiser chegar longe, vá acompanhado”. Diz um antigo provérbio africano.
O meu propósito com a arte é construir junto, outras formas de existência.
Arte resistência, significa existir mais de uma vez, significa persistir. Se foi construído, pode ser destruído e reconstruído. A desesperança é um sentimento reacionário, se de a oportunidade de afetar-se pela fotografia!
Obrigada por ler até aqui, agora você já sabe quem eu sou, um pouco do que me atravessa e do meu propósito de trabalho, fica à vontade pra comentar sobre, mandar sua opinião, olhar as fotos, acompanhar os processos e quem sabe fazer parte da nossa comunidade de fotografados! <3
Leia também: Poema que resume a fotografia pra mim!